Para começar, com vocês, a heroína Priscila Siqueira! revista Claudia, Abril/2009
(Segue fragmentos que achei mais interessante).
Contra o tráfico de mulheres e crianças
(Por Patrícia Negrão)
"Quem suporta conviver com o fato de uma criança, mantida prisioneira em um bordel, ter o intestino perfurado durante uma relação sexual?”, pergunta com indignação a jornalista Priscila Siqueira, 69 anos. Em sua casa, em São Sebastião, no litoral paulista, ela conta que, desde 1996, passa boa parte do seu tempo em viagens pelo país e pelo exterior. Oobjetivo: denunciar o tráfico humano para exploração sexual e exigir medidas oficiais para acabar com ele. “ Muita gente ainda duvida de que esse comércio exista ou fica indiferente, talvez acreditando que oproblema é grande demais para ser enfrentado”, diz
Seu primeiro contato com o tema deu-se na Suécia, no 1º Congresso Mundial contra a Exploração Comercial e Sexual de Crianças e Adolescentes, realizado pelo Unicef, órgão das Nações Unidas para a infância. Voltou chocada. “O cálculo era de 1 milhão de crianças traficadas no mundo. Isso sem contar jovens e adultos”, lembra. Começou então a divulgar o assunto na mídia brasileira com a equipe da ONG Serviço à Mulher Marginalizada (SMM), da qual é uma das articuladoras. “Quando falávamos em tráfico de crianças e mulheres no país, nos chamavam de loucas, escreviam para as redações dizendo que isso não existia”, recorda.
O ceticismo não desanimou essa ativista paranaense, mãe de cinco filhos, com uma experiência de 50 anos de militância. Ainda na faculdade, em Curitiba, integrou a Juventude Universitária Católica, que teve participação importante nos movimentos sociais brasileiros das décadas de 1950 e 1960. Depois de casada e formada, morando no Rio de Janeiro, fazia um trabalho preventivo de saúde visitando periferias e zonas de prostituição. Em 1963, mudou com o marido para São Sebastião, onde continuou o trabalho de conscientização. Nas décadas de 1970 e 1980, dedicouse a denunciar a especulação imobiliária no litoral e a expulsão de caiçaras e indígenas das suas terras, publicando o livro GENOCÍDIO DOS CAIÇARAS (ED. MASSAO OHNO, esgotado) e, em 1993, foi trabalhar no SMM. Sua luta na denúncia do tráfico de mulheres levou-a a escrever também o estudo Oferta, Demanda, Impunidade – Tráfico de Mulheres.
CLAUDIA Ao sair, elas sabem que serão prostitutas?
PRISCILA SIQUEIRA A maioria é enganada com a promessa de trabalhar como dançarina, recepcionista de boate, babá ou cuidadora de idosos. Outras sabem que serão prostitutas. O que todas desconhecem é que vão viver em situação de escravidão. É diferente das mulheres que, por conta própria, juntam dinheiro, compram sua passagem e vão se prostituir num país rico. Se não houve aliciamento, se a mulher é livre para tomar suas decisões, se é maior de idade, a opção é dela. Nossa luta não é moral, mas por direitos humanos.
CLAUDIA Há servidão por dívida, como no trabalho escravo rural?
PRISCILA SIQUEIRA Sim. As mulheres aliciadas deixam o país com uma dívida de passagem, roupa e documentação. Uma pesquisa da Unanima (ONG de combate ao tráfico, formada por congregações católicas femininas e sediada em Nova York) calcula que a dívida da mulher que sai do Brasil para Madri ou Lisboa equivale a 4,5 mil relações sexuais. Como nem em um ano inteiro é possível para uma mulher manter essa quantidade de relações, cria-se uma dependência crescente. Caso diga que quer ir embora, passará a sofrer ameaças. Ela chega nova, bonita e, à medida que envelhece, é revendida como um objeto. Um cafetão canadense declarou para a MACLEAN’S (revista semanal do Canadá) que preferia vender mulheres a drogas e armas porque drogas e armas só se vendem uma vez, enquanto a mulher pode ser revendida até morrer de aids, ficar louca ou se matar.
CLAUDIA De 1996 para cá, você vê avanços no combate à exploração sexual?
PRISCILA SIQUEIRA Em 2004, graças à pressão da sociedade, o governo brasileiro ratificou o Protocolo para Prevenir, Suprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, Especialmente Mulheres e Crianças, conhecido como Protocolo de Palermo. Com isso, o país se comprometeu a combater esse crime. Em 2006, foi publicada a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, que traz um conjunto de princípios, diretrizes e ações de prevenção e repressão ao tráfico e atenção às vítimas. Houve a participação de uma rede de ONGs no grupo de trabalho interministerial que elaborou o Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, ou seja, ações prioritárias para o cumprimento dessa política. Nossa luta é para que o plano seja efetivado.
CLAUDIA Você já foi ameaçada ou sentiu medo?
PRISCILA SIQUEIRA Medo, não. Nosso trabalho é de conscientização.Não trabalhamos diretamente com os criminosos. Isso é papel da polícia, pois se trata de crime organizado e de poderosas máfias internacionais. O que sinto é indignação diante da indiferença, do preconceito e do machismo. O tráfico só existe porque há uma grande demanda machista. As pessoas traficadas são, na maioria, mulheres e crianças do sexo feminino – um reflexo do fato de que a mulher, na sociedade, continua a não ter cidadania de primeiro grau, como o homem. Mas sou otimista: tenho consciência da dificuldade dessa luta, porém acredito nela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário