6 de jun. de 2007

A faxina de Marina


A faxina de Marina


Marina, solteira, administradora de empresas bem sucedida, jurava que era uma mulher muito diferenciada. Mas Marina não estava sozinha. Como ela,  era maioria das solteiras que morava em sua cidade. Achou engraçado quando em um programa de comédia duas amigas dialogam e uma delas está desesperada em busca de um homem. –“ai, amiga, faz as contas: tenho 31, daqui que eu arrume um namorado,32, noivar, 33, casar... quando vou ter filhos?” Marina ria, mas estava tão aflita quanto ela. E agora? 

O que fazer para despontar na frente nesse "mercado tão concorrido"? Ela pensava que um diferencial era ser inteligente, loira, malhada, bem vestida, moça de família e que nunca transaria no primeiro encontro. Ledo engano! A noite, nas "vitrines" onde os solteiros promovem suas imagens, seu perfil era padrão.

Era uma noite de sábado fria, Marina se cobre de roupas caras, perfume importado e vai pra night. Linda, leve e presa à conceitos. Pensa que portar elegância é cobrir-se de grife. Ainda não descobriu que não se amar é um mal que pode afetar até quem veste Prada. Depois de estacionar, a moça desce pensando na conversa que teve com uma colega de trabalho na hora do almoço. A amiga dizia que o Fantástico exibiu uma matéria sobre as diferenças dos sexos. Segundo ela, no mundo animal, as fêmeas sentiam menos desejo sexual que os homens. “faz sentido, pois os homens têm mais facilidade em sentir prazer, trair e transar sem se envolver emocionalmente”, dizia a amiga. Marina nem questionou. Quem era ela para discordar? Uma mulher que seguia à risca tudo que aprendeu e agia de acordo com o manual social.


Entra no barzinho com sua amiga e a noite começa. Bate o olho em um loirão alto. É correspondida. Após meia hora de conversa, rolou o beijo. Marcelo, advogado demonstra interesse total. Os dois compartilham várias coincidências. Já tiveram missões de trabalho na África, nasceram no mesmo ano e pra fechar com chave de ouro, não é que Marcelo mora em um prédio que tem o mesmo nome da chácara do pai dela? Ela acha incrível e logo fantasia a família de comercial de margarina. 

Final de noite. Ele propõe ir para seu apê. Ela não aceita e tem medo da tentação de que a sós suba um fogo que seja maior que seus "valores". Estava decidido, continuar aquela noite era uma possibilidade inexistente. Marina, moça fina, jamais queimaria seu filme. 

Ao deixar sua amiga em casa, ouve um velho conselho: "amiga, não liga, deixa ele te ligar". Marina volta pra casa sonhando em apresentar ele para as pessoas e pensa se seu pai iria gostar dele. Enquanto isso, na sala de justiça, Marcelo faz um sanduba e pensa em uma boa estratégia para levá-la para cama. É domingo e Marina vai almoçar com seus pais. Depois, passa o dia alternando entre assistir programas dominicais do tipo que não acrescentam nada em sua vida e lendo revistas. Anoitece e seu novo affair não ligou e não mandou sequer um torpedo.

Segunda feira Marina sai pra trabalhar, mal humorada e sempre jogando a culpa da sua infelicidade na solidão. Chega o fim de semana. Não está afim de balada e dorme cansada. Sábado aproveita para arrumar suas gavetas e tirar tudo que não usa mais. Depois de jogar fora uma tonelada de tralha, sente-se aliviada. Não satisfeita com as mudanças do quarto, ela vai até a sala e muda todos os móveis de lugar. Por puro preconceito, sempre achou que o sofá não ficaria bem em outra parede. Agora sua casa estava renovada, numa tentativa de refletir uma mudança interna. A noite chegou, mas ela nem cogitou sair. Iria curtir seu cantinho e organizar seus pensamentos. Esvaziou a casa e a mente. Fez uma receita gostosa. Passa a amar sua própria companhia.

Está sob a coberta e a madrugada chega. Sem sono, Marina começa a pensar que tudo que fazia sentido antes começa a não fazer tanto agora. Tinha o hábito de gastar a metade de seu salário com roupas caríssimas. A quem queria impressionar? Ostentava tanta marca que parecia um outdoor ambulante. Ela fez um cálculo e viu que com o que gastava por mês com pedaços de panos para se cobrir era um valor significativo. Olhou para o armário e transformou suas futuras roupas em mensalidades para uma pós graduação em marketing, um desejo antigo.

Trabalhou seu cérebro para sair de um patamar supérfluo. Ela era do tipo que entrava nas lojas e impressionava as vendedoras com seu poder de compra. Gostava do status de sair com mil sacolas na mão. Quanto mais refletia, mais achava essas cenas menos importantes que os valores que começavam a nascer agora. 

Domingo, com a cabeça e o corpo tranquilos, liga pro último gato e o convida para sair. Para sua surpresa, ele aceita. "Porque não fiz isso antes?" pensa. Marina logo bola as técnicas para agradar e segurar o boy. Ensaiou o que falar. Os dois chegam ao restaurante, sentam e conversam numa boa. Marina estava com o espírito leve, a faxina de sua casa a fez jogar fora alguns fluidos negativos junto das tranqueiras. Após o almoço que foi acompanhado de um papo agradável, eles entram no carro. Quando se viu já estava num motel. Resolveu esquecer os conselhos das amigas e chutou o balde. Entrou em transe. Nem lembrava do mundo exterior e se entregou. Jogou fora as regras impregnadas dentro dela e aflorou seus instintos. Atingiu o clímax e sorriu. Pegou uma cerveja no frigobar, acendeu um cigarro e foi pra janela, toda trabalhada no sexy sendo vulgar. Em sua frente havia um homem educado e simpático. Marcelo a deixa em casa sem promessas. Ao se despedir estava com cara de quem comeu e gostou.

Marina vai pra casa e fica impressionada como conseguiu viver apenas o presente com tanto desapego ao futuro. Se ele ia ligar? se era o genro que queria apresentar para seu pai? Se as coincidências eram realmente coisas do destino? Depois da faxina, pensava diferente. Agora quem estava fazendo o sanduíche e prensando na próxima estratégia para transar descompromissada era ela. Oras, mas como estava tão despreocupada e foi tão rápido sentir tudo aquilo na cama se as mulheres precisavam de muito envolvimento emocional segundo aprendeu ao longo da vida? 

Estava intrigada porque o que sentiu, desafiou o sábio "conhecimento científico" que a amiga comentou saber sobre as fêmeas e a tal reportagem do Fantástico. Marina deixou tudo pra lá e entrou numa de se preocupar com o seu equilíbrio. Mais uma semana começa. Em plena segunda feira acorda bem humorada, canta no chuveiro, dá risadas a tôa. Para o amanhã só tinha um plano: solteira ou não, ser simplesmente feliz.