3 de fev. de 2010

Mulheres e dinheiro (revista Época)

Trouxe aqui a matéria capa da última Época. Muito interessante. Até grifei o que achei de mais real dentro do texto. No final do texto tem comentário meu. REFLITAM!




Elas chegaram lá com alguma violência, por um caminho nada cor-de-rosa. As mulheres começaram a escalar os degraus do poder no mundo ocidental ainda no século XIX, em campanhas pelo direito ao voto que chocavam seus contemporâneos. Precisaram de duas guerras mundiais para que o século XX reconhecesse o valor de sua força de trabalho. Continuaram a escalada com o feminismo estridente dos anos 60 e uma dedicação inabalável aos estudos. Havia homens barrando o caminho, mas elas começaram a atingir o topo das carreiras na política e nas empresas. Pelo caminho, deixaram um mundo transformado. Há mais educação. Mais produtividade. Menos filhos por casal, mais bem cuidados. Não houve mudança social maior nos últimos 100 anos – e ela mal começou. Agora, um número crescente de mulheres pode ou precisa decidir por si só o próprio futuro financeiro, e delas dependem mais e mais famílias e empresas. A mudança seria notável de qualquer forma, pelo rearranjo de poder, mas ela traz um componente mais instigante: e se as mulheres usarem o dinheiro de um jeito diferente do que se considerou “normal”, enquanto os homens detiveram todo o poder econômico? Surpresa: é isso que elas fazem. Economistas, sociólogos e psicólogos vêm tentando há anos entender melhor nossas decisões e escolhas a respeito de dinheiro. No processo, surge uma montanha de evidências de que emoções e impulsos primários desempenham um papel muito maior do que esperávamos em nossos atos relacionados a ganhar, gastar e investir. Isso revela que existem um modo mais masculino e um mais feminino de lidar com o tema. O jeito feminino traz benefícios para a sociedade, mas ele passará por dores do parto antes de se tornar dominante. “Além de as mulheres, neste momento, ainda terem menos educação financeira, elas mostram emoções mais facilmente – pode ser tanto o medo de fazer uma dívida quanto o encantamento por um objeto de consumo”, afirma a economista Roberta Muramatsu, professora da Universidade Mackenzie e Ph.D. em finanças comportamentais.


As diferenças ganharam também a atenção de Suze Orman, a mais famosa guru de finanças pessoais dos Estados Unidos. Seu livro As mulheres e o dinheiro foi lançado em dezembro no Brasil. Ela conta que sempre pensou em orientação financeira indistinta para homens e mulheres, até que não pôde mais ignorar as necessidades específicas que via em suas amigas e conhecidas. Sem precisar se preocupar com o rigor científico dos pesquisadores, Suze dispara: está cansada de ver mulheres “inteligentes, competentes e realizadas” convivendo com um permanente caos financeiro. “Seu instinto maternal reina absoluto; você faz tudo para todos antes de fazer para si mesma”, afirma, num recado às leitoras do livro.

O espírito desse tempo, de escancarar as diferenças, encontra boas definições em dois trocadilhos em inglês. Um deles é “womenomics”, ou economia das mulheres, termo criado pelas jornalistas americanas Katty Kay e Claire Shipman no livro de mesmo nome. Elas defendem uma nova investida feminina contra os abalados alicerces do mercado de trabalho, a fim de mudá-lo de vez. Conseguir jornadas mais flexíveis e incentivar o trabalho a distância estariam entre as prioridades. O outro termo que ganhou popularidade foi “mancession”, a recessão do homem. A palavra lembra que a crise global teria sido provocada pelo excesso de agressividade, ousadia e testosterona nos grandes bancos. O resultado dessa crise provocada por homens foi especialmente devastador para os homens. Nos Estados Unidos, a diferença no nível de desemprego entre os sexos, a favor delas, chegou ao maior nível em 60 anos. Embora o Brasil não tenha sofrido tanto com desemprego, tem sua versão da “mancession”: a maior parte dos cortes de postos de trabalho por aqui ocorre entre homens, que são os trabalhadores com menor grau de instrução. A maior parte dos postos de trabalho criados vai para as mulheres, que são maioria entre os que têm nível superior.

A fim de entender melhor o suposto jeito das mulheres de lidar com dinheiro, ÉPOCA consultou os livros e as pesquisas mais recentes a respeito do tema e pediu um estudo à recém-criada Sophia Mind, empresa especializada em comportamento e tendências no universo feminino. A pesquisa foi feita no segundo semestre de 2009 com mais de 2 mil mulheres com acesso à internet banda larga nas seis maiores capitais brasileiras. Seu resultado está apresentado nestas páginas. Ele faz constatações importantes: a realização de investimentos por parte das mulheres cresce principalmente com o nível de educação, e não tanto com o nível de renda; elas dividem as responsabilidades financeiras domésticas de maneira bem igualitária com os companheiros (ou, pelo menos, afirmam dividir); aplicam dinheiro de maneira errática, sem rotina definida (com as fluminenses mostrando mais disciplina que as paulistas); demoram demais para começar a pensar em aposentadoria e organizar um bom plano com esse objetivo; e gastam mais em moda do que com saídas.

A partir do estudo, Andiara Peterle, executiva-chefe da Sophia Mind, chama a atenção para o que considera comportamentos financeiros a corrigir. Em parte, essas atitudes ruins se parecem com as encontradas no universo masculino brasileiro. “Elas tendem a se preocupar mais que o necessário com possuir um imóvel e menos que o desejável com planejamento de aposentadoria”, diz Andiara. Outras atitudes preocupantes parecem bem específicas das mulheres. “Elas investem pouco, e isso melhora menos do que esperávamos com o avanço da idade e da renda. Entre aquelas de 40 anos, muitas ainda contam muito com a presença e a ajuda futura de marido e filhos.” Esse tipo de avaliação tem importância crescente devido à ascensão da importância econômica feminina, parte mais evidente dessa história.



Mulheres representam 41% da força de trabalho no Brasil. Nos Estados Unidos, acabam de se tornar mais da metade. Nos dois países, a participação delas cresce, e com velocidade ainda maior entre os postos de trabalho que exigem nível superior. Por aqui, elas chefiam 35% dos lares, respondem por 46% das transações com cartões de crédito e estão à frente de 52% das pequenas e microempresas, informa Sueli Daffre, sócia-diretora da empresa de pesquisa SD&W.



Todos esses indicadores continuam subindo, e a mudança poderá se acelerar no futuro, se depender do empenho delas em melhorar a própria formação. No Brasil, há muito mais mulheres que terminaram a universidade (3,6 milhões, em relação aos 2,5 milhões de homens). Na faixa dos adultos até 32 anos, elas já investem 50% a mais que os homens em educação, segundo a empresa de pesquisas Bridge. “E elas dizem que vão aumentar esse investimento, no futuro, em escala maior do que a planejada pelos homens da mesma idade”, diz Renato Trindade, diretor da Bridge. O mercado financeiro apelidou o fenômeno global de “O poder da bolsa” (Power of the purse), por causa do título de um relatório publicado em agosto de 2009 pelo banco americano Goldman Sachs. O estudo afirmava que o “poder da bolsa” seria especialmente sentido em China, Rússia, Vietnã, México, Coreia do Sul e Brasil, que combinam fortalecimento da mulher com crescimento da classe média.



A segunda parte da história é compreender as tais diferenças, que vão determinar como elas usarão esse poder recém-adquirido. Confira algumas delas – sempre lembrando que se tratam de generalizações, limitadas por natureza:


- Conservadorismo: as mulheres mostram maior aversão ao risco. Isso as torna menos inclinadas que os homens a confiar em suas habilidades e fazer grandes apostas;


- Expectativa de relações duradouras: elas tendem a organizar a vida financeira como se o parceiro fosse estar a seu lado para sempre;



- Prioridades flexíveis: mulheres empregam o melhor de seus esforços no bem- -estar dos outros, incluindo filhos, companheiro, pais idosos e subordinados;



- Equilíbrio: elas mostram interesses mais diversificados, divididos entre carreira, família e projetos pessoais;



- Apego aos detalhes: as mulheres facilmente assumem as pequenas contas domésticas e se afastam das grandes decisões financeiras familiares;



- Tendência gregária: elas gostam mais que os homens de atuar e tomar decisões em grupo;



- Consistência temporal: mulheres tendem a se apegar mais a suas estratégias financeiras ao longo do tempo.



Como em outros aspectos da vida – relacionamentos amorosos, por exemplo –, o jeito feminino de fazer as coisas pode trazer vantagens e desvantagens para elas.

(Infelizmente, mesmo com todo avanço as pesquisas ainda indicam muitos pontos para sua real inserção no universo dos negócios e na igualdade cultural. Achei legal a revista trazer benefícios, riscos e soluções. Vou copiar aqui os que achei mais interessantes).

Elas são mais avessas ao risco. BENEFÍCIOS: Elas arriscam menos, o que resguarda o patrimônio familiar para fins nobres como educação Arriscar pouco demais significa abrir mão de lucros possíveis no longo prazo em investimentos como ações
SOLUÇÃO:Aventurar-se, sem deixar de ser moderadas. Na Bolsa, mulheres costumam obter lucro médio maior que homens

Elas contam com casamento duradouro Planos de longo prazo beneficiam a família.
BENEFÍCIOS:Pessoas casadas tendem a acumular mais riqueza que as solteiras Cresce o número de divórcios e mulheres vivem mais que homens. Elas precisam saber cuidar do dinheiro sozinhas
SOLUÇÃO: casal deve compartilhar decisões e conhecimento, além de manter metas financeiras individuais.


Elas dão prioridade à família. BENEFÍCIOS:Uma mãe que acompanhe o crescimento e o desempenho escolar dos filhos vai prepará-los melhor Laços de dependência: mulheres tendem a se colocar em risco financeiro para ajudar filhos já adultos. SOLUÇÃO: Educação financeira desde cedo é um belo legado aos filhos. estabeleça limites claros e prévios para a ajuda

É claro que eu deixei comentário no blog da revista nesa matéria. Vejam o que eu disse:

Perfeita a materia, porém ali no quadro de riscos, beneficios e soluções, quando falam no benefício "uma mãe que acompanha os filhos na escola vai prepara-los melhor", eu mudaria a solução de apenas educação financeira para um maior compartilhamento do pai na vida do filho. Acompanhando-o na escola e desfazendo essa ideia de que as mães são as responsáveis maiores por seus filhos. Independente do casal estar ou não junto, não basta as mães mudarem nisso e preparar seus filhos para uma vida finaceira melhor. A solução é o pai mudar também.

Acredito que a mulher só terá sua verdadeira ascenção quando além de seguir os conselhos das soluções sugeridas pela Época, elas se desvincilharem de velhos conceitos culturais que carregam nas costas. O feminismo não quer que sejamos uma " mulher maravilha", trabalhar fora, cuidar dos filhos. O que precisamos é de pais mais presentes e que possamos dividir todas essas responsabilidades de forma mais equilibrada sem aquele conceito de "mãe é mãe, né?"