21 de set. de 2013

Machismo naturalizado nos folhetins

Quem viu a novela ontem? Pra variar, show de machismo. O "pretendente de Valdirene" , que a deixou no motel sozinha, só por misoginia mesmo, estava tentando se desculpar pra ela. Pra isso, ele jogou a outra na fogueira, disse que a enfermeira era a maior " piriguete" do hospital. Não era crítica do autor, é isso que me deixa irritada. Era reforço do machismo nosso de cada dia, mesmo. Mulher que sai com mais de um cara é puta. Homem pode deixar mulher no motel sozinha, tirar onda da cara dela, humilhar, chamá-la de vadia... na novela é assim, homem pode tudo, mulher não.

Walcyr, anda fazendo jus ao sobrenome, anda sendo bem Carrasco, mesmo. Já rolou papo de relógio biológico e reforço de estereótipo de vadia, é quase todo dia. Ele reforça bem a ideia de mulheres se odiarem. Essa influência social, funciona bem. No Facebook, o que não faltam, são menininas novinhas ou mais velhas, xingando umas as outras, mandando indireta. Coisas que raramente se vê no comportamento masculino. Esses dias deu no noticiário: uma adolescente matou outra, por motivo banal. Você pode me achar paranoica ( pense bem antes de achar isso, pois essa opinião é meio padronizada, ou seja, não é sua, você apenas reproduz), mas eu atribuo sim, a essa rivalidade e competição que somos ensinadas.

Pilar deu uma surra na amante do marido. Será que foi por ter se sentido traída por ela, que se dizia sua amiga? Ou foi por que ela culpa a " vagabunda" que deu em cima do marido? Particularmente, acho que a surra deveria ter sido no marido, ele sim, deve satisfação. Aline não tem uma amizade com ela de mais de 30 anos, nunca prometeu amor e fidelidade. O marido, sim. A culpa da traição, é dele. A secretária sacaneou, mas o que é a sacanagem dela perto da que o marido cometeu? Se a mulher trai é vadia, se é traída, a amante é que é vadia. E o homem sai sempre ileso. Tudo bem, você pode estar dizendo que César é um canalha, mas a maioria sente mais ódio da "vadia". 

Em Saramandaia, pelo menos, um dos vilões, o personagem Carlito ( Marcos Pasquim), é o machistão. Menos mal. De frente pro mocinho traído e a mulher que mantinha relacionamento com os dois, ele disse: " Você é corno, ela não pode receber uns tapinhas que se arreganha toda". O mocinho saiu transtornado, mas a atitude de não fazer nada com a mulher que o traiu, apenas não querer mais vê-la, foi digna. Quando o homem trai, ninguém deseja a morte dele, apenas que a mulher se separe dele. Quando é a mulher que trai, todos querem apedrejá-la em praça pública.


A mulher que trai, tentou explicar ao traído; disse que o outro mantinha uma força sobre ela, que ela não controlava. (Famoso tesão). Porém, depois de um cara nojento como ele, jogar as intimidades deles assim, no ventilador, o tesão deve diminuir, né? Espero que sim. Cenas como essa, demonstram que a liberdade sexual, definitivamente  não é um direito feminino. Fico imaginando a dificuldade dos atores em fazer esses papeis, se eles não são machistas, na vida real. Para Caio Castro, já é bem mais fácil, repetir a palavra " vadia", como fez várias vezes, xingando a personagem Patrícia, falando sozinho. É que dia desses, ele disse em uma entrevista que uma fã era vadia, por ter transado com ela e depois postados fotos dele na cama. Sim, ele pode transar, sentir desejo. Ela é vadia. (Ora, se ele é famoso, que não se deite com mulheres anônimas, pois está sujeito). Isso mesmo, ainda vivemos essa época. Caio não fez nem 30 anos e é esse cara conservador e coxinha. Lamentável. 

Para mim, fica claro que o machismo é naturalizado nos folhetins, por ser natural na vida de muitos atores e autores. A pessoa escreve a história baseada na vida, no que se vê. E o que a gente vê, no mundo, é um bando de ser humano do tipo papagaio. Aqueles que não questionam, reproduzem falas. 

Gosto de novela e não vou deixar de assistir. Sou brasileira e quero ter direito de dar pitaco no que a mídia nos diz. Não curto posar de intelectualizada, por não assistir novela. Só vou saber parte da cultura do meu país, se eu vê-las, a Globo tem poder. Por isso, fica aqui meu protesto a quem se acha superior, por não assistir. As vezes, a trama não mudaria nada, se o autor mudasse algumas falas. É totalmente possível, usar as novelas pra combater o machismo ( ou pelo menos não reforçá-lo), mas ninguém fala sobre isso, afinal, reza a lenda, que machismo não existe mais. Claro, na cabeça dessas pessoas, o homem pode por que é o maior detentor de testosteronas ( anham, ainda existe a ideia de que quanto mais o tal hormônio, mais desejo)... a mulher nasceu pra ser o bicho emocional, o homem o sexual e bla bla bla...

Quando eu digo que todo machismo cultural, vem dessa ideia de biologia. Está arraigado em nossa criação. Nosso cérebro é condicionado a não aceitar outras ideias. Desde que estamos na barriga, sofremos todo sexismo, toda diferença, não poderia ser diferente.

O problema das mulheres serem coniventes com o machismo, é que não é tão fácil desconstruir tudo que aprendemos sobre felicidade. E o machismo, enganosamente, é como se fizesse parte desse universo feliz, do que é ser mulher. A sociedade diz que ser mulher multi-tarefa é uma maravilha. Que preservar a vagina, é o melhor que podemos fazer para nos valorizarmos. Que odiar outras mulheres, é legal, pois nos dá soberania e poder.

Lembre-se que ser mulher é uma construção social. No reino animal, as macacas gozam igualmente. Não tem essa de emoção pra um gênero e " ser visual" para outro. E somos animais. Racionais. Infelizmente o estímulo da racionalidade é maior nas fêmeas humanas. Os homens acham que seus instintos são incontroláveis e por isso, podem transar e gozar sem culpa. 

Um dia, vi o ator José Loretto, refletindo no programa Amor & Sexo, sobre as teorias ( que muitos consideram absurdas) da psicanalista Regina Navarro. Ela dizia que conto de fadas são machistas. A maioria dos atores acharam um exagero. Flavia Alessandra, revoltou-se. Já Loretto, abriu a cabeça e começou a debater. Achei interessante a forma como ele estava disposto a receber novas informações. Ele não parecia um homem papagaio. Não discordou e nem concordou, apenas disse que via sentido em alguns argumentos da especialista. O ator me deu uma pontinha de esperança, pois se existissem mais Lorettos e menos Caios Castros e Carrascos, a sociedade e a arte noveleira, no nosso país, seria bem mais interessante.